RACISMO É RACISMO, SEJA PORTUGUÊS OU ANGOLANO

A activista social angolana e promotora da marcha contra a imposição de penteados nas escolas, Arminda Milena Ernesto, defendeu hoje que é preciso “desmistificar” o problema do uso de cabelo crespo e promete continuar a lutar contra o “racismo capilar”, culpando os colonos portugueses que já cá não estão há 47 anos.

Por Orlando Castro (*)

Arminda Milena Ernesto, em declarações à agência Lusa, manifestou a sua indignação sobre os regulamentos internos de algumas escolas sobre o uso de cortes de cabelo, que associou a uma imposição de valores associada à colonização.

De facto, o que se passou em Angola em 11 de Novembro de 1975 (independência) foi apenas a substituição dos colonizadores portugueses pelos colonizadores do MPLA, não sendo também de admirar que os novo colonizadores nada tenham aprendido com os antigos.

No sábado passado, Arminda Milena Ernesto organizou um protesto para chamar a atenção da sociedade angolana, mas a marcha foi travada pela polícia, apesar de os promotores se terem concentrado no local por terem tido pouco tempo para desmobilizar os participantes.

Segundo Arminda Milena Ernesto, o problema é antigo, mas este ano um episódio com uma criança de 10 anos amplamente divulgado nas redes sociais despertou os cidadãos para o problema.

“No ano passado já havíamos saído às ruas por causa das injustiças que as escolas haviam cometido ao enxotar alunos por causa de cabelos compridos, sem qualquer explicação. Saímos às ruas sem qualquer resposta positiva do Ministério da Educação e esse ano acontece que o menino Hugo, de 10 anos, foi expulso da turma por possuir o cabelo comprido, tendo a escola alegado que era por questões de higiene”, referiu.

A falta de igualdade no tratamento destes casos entre alunos de pele escura e mais clara, prosseguiu a activista, professora de profissão, é o que mais inquieta a comunidade.

“O que não se entende é como é que numa turma de pretos e brancos, o branco permanece na turma e preto vai para fora, alegando-se que tem que cortar o cabelo. Não é só o menino Hugo, houve também um menino de 5 anos, Hazael, que foi expulso da sala por ter o cabelo comprido, e a menina Leonilde, porque ela fez um penteado e o professor disse que ela tinha que pentear o cabelo”, contou.

Para a activista, há falta de diálogo, embora admita que os regulamentos das escolas devem ser cumpridos: “Eu acho que a única coisa que falta aí é o diálogo. Eu entendo que toda a escola tem um regulamento que deve ser aceite. Quando se inscreve o filho numa escola depara-se com um regulamento que se tem de cumprir”.

Arminda Milena Ernesto considera que o problema decorre da colonização, mas defende que “essa imposição de valores tem que terminar já”.

Essa de culpar quem esteve no comando do país há 47 anos, passando uma esponja sobre os novos colonizadores do MPLA que lá estão, com todos os poderes, também há 47 anos, também revela que sendo, ou não, activista e professora, Arminda Milena Ernesto também está a ser igual aos colonizadores de antanho.

“O colono implementou na cabeça do negro que, para ficar mais bonito tem que cortar o cabelo, isso é uma coisa que tem que se desmistificar. Essa imposição de valores tem que terminar já”, defendeu a activista, esquecendo-se – contudo – que esse colono já deixou de cá estar há quase meio século. É, isso sim, um (mais um) manifesto complexo de inferioridade de quem não é capaz de assumir as suas próprias responsabilidade.

“Nós somos diferentes dos brancos, que têm o cabelo liso e podem fazer puxinho, o nosso cabelo é a nossa identidade, é a nossa cultura, e ele serve para fazer variados penteados”, reforçou Arminda Milena Ernesto, parecendo (pelo menos) esquecer que debaixo desses puxinhos existe uma cabeça e um cérebro, e se muitos de nós têm o cérebro ligado ao intestino isso não é culpa dos velhos colonizadores mas sim dos novos.

Apesar do episódio de sábado, em que dezenas de activistas foram detidos pela polícia (seriam polícias do tempo colonial português?), o objectivo é prosseguir com as reivindicações e sensibilização para o problema, com o envolvimento de outros sectores da sociedade, para “lutar contra esse tipo de racismo capilar”. Já agora juntem a luta contra o racismo intelectual…

A promotora da marcha disse que a declaração emitida pelo Ministério da Educação face à situação não é clara, mas passa a ideia de dar “oportunidade de qualquer aluno entrar para a escola de cabelo comprido sem qualquer problema”.

De acordo com a activista, o problema é de grande dimensão e afecta escolas do Estado e privadas, vindo as reclamações de vários estabelecimentos escolares de todo o país.

“Há pais que reclamam os seus direitos, porque conhecem a lei, mas há outros que não dominam a lei e não sabem que há igualdade de direitos”, referiu Arminda Milena Ernesto, reafirmando a necessidade de continuar a lutar “enquanto estudantes, enquanto activistas sociais”. A culpa de muitos pais não conhecerem a lei e não saberem que há igualdade de direitos, também é dos velhos colonos?

“Nesse momento estamos a aguardar, mas se os casos continuarem vamos sair novamente às ruas, vamos reagendar nova marcha”, garantiu.

Numa circular datada de 28 de Setembro, a ministra da Educação, Luísa Grilo, orientou as escolas a criarem “um ambiente harmonioso de respeito à diferença e nas diversas formas em que o cabelo de cada aluno se pode apresentar sem, contudo, subverter o código de conduta e a disciplina escolar”.

O documento sublinha ainda que o Sistema de Educação e Ensino se rege de princípios da igualdade e da protecção da criança, previstos na Constituição da República, bem como pelo princípio da universalidade, previsto na Lei de Bases do Sistema de Educação e Ensino “promovendo assim o combate contra todo o tipo de discriminação por razões da ascendência do indivíduo, sexo, raça, etnia, cor, deficiência, língua local de nascimento, religião, convicções políticas, ideológicas ou filosóficas”.

A circular refere ainda que os gestores escolares devem obediência às leis e devem assegurar a materialização dos princípios gerais que regem o Sistema de Educação e promover “estratégias de diálogo permanente com os membros da comunidade escolar no sentido de se estabelecerem regras de convivência escolar que assegurem a ampla protecção da criança contra todo o tipo de discriminação”.

Há 47 anos já havia em Angola uma elite política amadurecida e uma pequena burguesia local que, junto do ocupante português, reivindicava direitos emancipadores.

Há 47 anos quando Angola saiu da capanga colonial lusitana e conquistou a sua emancipação política, já era um território economicamente adulto e autónomo.

Há 47 anos a agricultura era o “ouro negro” que permitia a Angola ser auto-suficiente do ponto de vista alimentar e um dos grandes celeiros de África ao mesmo tempo que a palavra “petróleo” praticamente não fazia parte das suas estatísticas económicas.

Há 47 anos, vivíamos a ressaca de um tempo fervilhante com os musseques, por um lado, matraqueados pela fúria de colonos taxistas e comerciantes inconformados com a chegada de uma nova ordem social e, por outro lado, pela resposta inflamada e irracional de alguns grupos de marginais que decidiram lançar o caos e o terror junto das populações europeias.

Há 47 anos, sob o fermento do ódio racial, do preconceito tribal e de um radicalismo político irracional, assistimos à erupção nas cidades dos três movimentos de libertação, que, mergulhados em desavenças insanáveis, se lançaram numa guerra fratricida pela conquista do poder que, de uma ponta à outra, “partiu a coluna vertebral de Angola e dilacerou a alma de milhões de angolanos.”

(*) Com Lusa

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